Wednesday, September 21, 2005

Carta de Adolf a António, Parte I

Herr António de Oliveira,

Muito tempo passou desde a última vez que estivemos juntos. Recordo com saudade (que palavra bem portuguesa, verdade?) o queijo da Estrela que trouxeste embrulhado nos velhos trapos de cozinha da mamã, e todo o carinho com que falavas dessa exemplar figura. Ainda que a não tenha conhecido, a tua pormenorizada e tão delicada descrição permitiu-me criar no imaginário uma criatura que não pode distar muito da realidade. Entre colheradas de queijo, falavas-me de todos os planos que tinhas para o teu Portugal; dos teus sonhos, das reformas agrárias, da luta ao analfabetismo, do culto pela religião e pelo nacionalismo, a perseguição do pensador e intelectual maquiavélico. Escutei-te enternecido, entre os vários copos de vinho e marmelada que iamos consumindo.
-"Somos realmente mentes doentias!"- era o que pensava enquanto falavas.

Escrevo-te essencialmente para dizer que os meus dias estão contados. Sinto a morte muito por perto, e o meu corpo sente-se cansado. Passo muitos dias sozinho a bordo do "Amerika", o meu querido comboio, enquanto viajo entre as várias linhas críticas da frente de batalha. Acabo de regressar de Stalingrad, e dou-me conta que os porcos SS não conseguem suster o avanço dos comunas. Ainda tens problemas com o Cunhal? Recomendo-te a eliminá-lo quanto antes, pois começo a acreditar que esses comunistas têm poderes sobrenaturais. Tive-os nas mãos, a ponto de os poder esmagar, e da noite para o dia multiplicaram as suas forças por 1000. Inverteram completamente a ordem das coisas, passando da defensiva à ofensiva num curto espaço de tempo. Além disso, têm o clima do seu lado. Sou cada vez mais ateu, porque o S. Pedro ajuda mais depressa esses ateus estalinistas que a Suprema Raça Ariana Protestante. Hoje perdemos 14.500 soldados só na frente russa, e como sabes mantemos duas outras frentes abertas. Estamos completamente arrasados, sem combustível, e começamos a ter problemas nas linhas de produção de armamento.

Necessito desabafar, falar de nós, desenvolver uma análise auto-crítica que me permita libertar de toda esta doença que percorre o meu corpo. Sou um grande filho de um porco! Nunca tive o poder de criar amizades, de criar um eixo em torno do qual pudesse desenvolver uma vida normal, igual às das outras pessoas. Sou um farrapo austríaco, que persegue judeus, comunistas, ciganos e homossexuais. Não incluí portugueses apenas para não complicar a vida aos SS.
Não conheço o poder da amizade, apenas o poder da destruição e da miséria humana. Não me preocupa o odor a morte que espalho por toda a Europa. Durmo tranquilamente todas as noites, e acordo com muita fome. Como muito pelas manhãs, sabias? Mas cago muito também, por isso mantenho-me na linha. Goebbels diz-me frequentemente que tenho a melhor cintura de todo o Reichstag, e eu coro de vergonha. Esse Goebbels ultimamente anda a arrastar-me muito a asinha, e a Eva já o percebeu. Recordas-te certamente de Goebbels, o ministro da propaganda. Ele lembra-se muito de ti... refere-se a ti como o "tosco português sem maneiras". Não o tomes de uma forma ofensiva, mas antes como um mimo, talvez o resultado de uma diferença cultural. Proponho, se por então ainda for vivo, irmos todos fazer praia para a Tunísia este Verão. O Rommel é o general que melhor vai aguentando a barra, mas até aí no deserto as coisas estão difíceis. Os "fags" (é a forma como me refiro aos cães ingleses) têm agora um general novo chamado Montgomery, e que veio complicar as coisas. De todas as formas, acredito que ainda terei essas praias este Verão.

Continua (Esta carta é um documento histórico de valor inquestionável. É reveladora da íntima relação entre o Führer alemão e António de Oliveira Salazar)