Saturday, September 17, 2005

Once there was a man...

Carta de despedida de Guevara a Fidel

"Ano da Agricultura"
Habana

Fidel:
Recordo-me nesta hora de muitas coisas, de quando te conheci na casa de Maria Antonia, de quando me propuseste vir, de toda a tensão dos preparativos.
Passaram um dia perguntando a quem se devia avisar em caso de morte, e a possibilidade real disto golpeou-nos a todos. Depois soubemos que era certo, que numa revolução ou se triunfa ou se morre (se é verdadeira). Muitos companheiros caíram ao longo do caminho à vitória.


Hoje tudo tem um tom menos dramático porque somos mais maduros, porém o facto repete-se. Sinto que cumpro a parte do meu dever que me atava à Revolução Cubana no seu território e despeço-me de ti, dos companheiros, do teu povo que já é meu.

Faço uma renúncia formal dos meus cargos na Direcção do Partido, do meu posto de Ministro, do meu grau de Comandante, da minha condição de cubano. Nada legal me ata a Cuba, só laços de outros tipos que não se podem romper como as nomeações.

Fazendo um balanço da minha vida passada, creio haver trabalhado com suficiente honradez e dedicação para consolidar o triunfo revolucionário. A minha única falta de alguma gravidade é não haver confiado mais em ti desde os primeiros momentos da Sierra Maestra e não haver compreendido com suficiente celeridade as tuas qualidades de condutor e de revolucionário.
Vivi dias magníficos e senti a teu lado o orgulho de pertencer a este nosso povo nos dias luminosos e tristes da Crise do Caribe. Poucas vezes brilhou mais alto um estadista que nesses dias, e orgulho-me também de haver-te seguido sem vacilações, identificado com a tua maneira de pensar e de ver e apreciar os perigos e os princípios.


Outras terras do mundo reclamam o concurso dos meus modestos esforços. Eu posso fazer o que te está negado pela tua responsabilidade à frente de Cuba, e chegou a hora de separar-nos.


Que se saiba que o faço com uma mistura de alegria e de dor, aqui deixo a mais pura das minhas esperanças de construtor e o mais querido entre meus seres queridos... e deixo um povo que me admitiu como um filho; isso lacera uma parte do meu espírito. Nos novos campos de batalha levarei a fé que me inculcaste, o espírito revolucionário do meu povo, a sensação de cumprir com o mais sagrado dos deveres; lutar contra o imperialismo onde quer que esteja; isto reconforta e cura como nada qualquer partida.


Digo uma vez mais que liberto Cuba de qualquer responsabilidade, salvo a que emane do seu exemplo. Que se me chega a hora definitiva sob outros céus, o meu último pensamento será para este povo e especialmente para ti. Agradeço pelos teus ensinamentos e o teu exemplo ao qual tratarei de ser fiel até às últimas consequências dos meus actos. Estive sempre identificado com a política exterior da nossa Revolução e assim continuo a estar. Que onde quer que esteja sentirei a responsabilidade de ser revolucionário cubano, e como tal actuarei. Que não deixo aos meus filhos e minha mulher nada material, e não me entristeço: alegra-me que assim seja. Que nada peço para eles pois o Estado dar-lhes-á o suficiente para viverem e educarem-se.

Teria muitas coisas que te dizer a ti e ao nosso povo, porém sinto que não são necessárias, as palavras não podem expressar o que eu quereria dizer, e não vale a pena borrar papéis.


Até a vitória sempre, Pátria ou Morte!

Te abraça com todo o fervor revolucionário,

Che